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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

6.10. Escola da Palavra

Esta é a menina dos olhos do card. Martini de Milão e tem íntima ligação com a Lectio Divina, ou melhor, é a Lectio Divina aplicada aos jovens e adultos. Ele próprio a orientou na catedral de Milão, para os jovens, durante cinco anos consecutivos, nas primeiras quintas-feiras de cada mês. Vamos reproduzir aqui, com a devida vénia, um documento manuscrito do próprio card. Martini, sobre a "ESCOLA DA PALAVRA"[1]

O documento tem como título: "Intervenção do cardeal arcebispo no encontro com os pregadores e organizadores das Escolas da Palavra" (19.09.'91). E diz o seguinte:

"Em Agosto passado, orientei um retiro, na Califórnia, a um grupo de mais de 300 sacerdotes e à noite trocávamos impressões, em clima de fé. Faziam muitas perguntas sobre a nossa diocese e, deste modo, veio ao de cima o tema sobre a Escola da Palavra.

Expliquei o princípio deste caminho, recordando o pedido feito pelos jovens, em 1980, para serem ajudados a rezar com a Bíblia e como, depois, se desenvolveu a iniciativa da Escola da Palavra na catedral e, posteriormente, em todo o território da diocese.

A reacção, quando falo, fora de Milão, sobre a Escola da Palavra, é sempre de enorme atenção, de entusiasmo. Porém, a observação dos sacerdotes da Califórnia foi sobretudo a seguinte: Aquilo que mais nos toca nesta experiência é o facto de ter sido confiada a um número de sacerdotes que a fazem própria e a transmitem a outros. Também para mim, este é um ponto importante: a experiência deve conservar a sua especificidade, e deve ser levada por diante, pessoalmente, por sacerdotes e outros colaboradores que tenham compreendido o sentido da mesma. A minha tarefa, portanto, não é a de vos introduzir no tema específico da Escola da Palavra deste ano, mas de lembrar o sentido da mesma. Procederei mediante momentos sucessivos, procurando dizer o que é e o que não é a Escola da Palavra; quais os frutos que dela espero; quais são as condições para obter tais frutos; como é que cada um de vós deve preparar-se para obter os frutos.

1. O que não é a Escola da Palavra

Não é uma pregação, não é uma catequese especializada para jovens; não é, tão pouco, uma celebração da Palavra. Compreende um pouco de todas estas formas do ministério, mas não pode ser confundida com elas, a menos que queiramos perder o sal, o sumo da experiência.

2. O que é a Escola da Palavra

É uma escola: trata-se de ensinar os jovens, de colocá-los em condições de meditar pessoalmente sobre a Palavra da Escritura, de os preparar para se aproximarem do texto e de lhes dar o gosto desta abordagem da Bíblia. Se os jovens, graças a vós, receberem este gosto, terão certamente o gosto de conrinuar depois, sozinhos, a descobrir toda a riqueza dos textos sagrados, na oração e na meditação. Neste sentido, os fruos remotos da Escola vão ver-se dentro de alguns anos.

3. Frutos da Escola da palavra

Mas há um fruto imediato, genérico a obter em cada encontro. Expresso-o da seguinte maneira: é a possibilidade de que os jovens exultem interiormente pela riqueza da página evangélica explicada, não tanto porque foi bem explicada, mas porque algum deles a descobre, a sente dirigida à sua vida, se sente estimulado a orar.

É, naturalmente, um fruto ideal, mas gostaria que o tivésseis presente para saber sempre para onde devemos caminhar.

É fácil, então, encontrar a dificuldade desta Escola. Não basta expôr bem os temas; também é preciso ajudar quem escuta a colocar-se diante das palavras da Bíblia. Podemos utilizar a imagem dum duo de ciclistas: um, talvez mais forte, pedala na frente, de modo a que o outro possa aprender e, a determinada altura seja ele a "puxar". Deveis "puxar" de tal modo que os jovens ganhem, cada serão, mais gosto ao texto.

4. Cinco condições para obter frutos

Para ganhar gosto ao texto, são necessárias, pelo menos, cinco condições:

* Primeira: que haja uma atmosfera de silêncio e de recolhimento. As experiências já feitas ensinam-nos que esta é uma condição essencial, sem a qual não se obtém quase nada. É preciso também cuidar no modo de entrar, de se sentar, de se colocar na igreja; é preciso estar atentos para que não haja tempos vazios. A falha num pequeno pormenor pode criar confusão e mal-estar.

* Segunda: uma certa sobriedade de linguagem; quem explica o texto não pode falar durante muito tempo (nunca superar, no meu entender, 20-25 minutos). Juntamente com a sobriedade da linguagem, é necessária a sobriedade dos símbolos e das imagens. O vento e o fogo, por exemplo, é uma imagem sóbria e evocativa; não é simplesmente o vento com todas as suas aplicações e o fogo com todos os seus significados, mas o fogo movido pelo vento e que, portanto, devora ainda mais. É muito importante utilizar os símbolos de maneira unitária, para evitar a dispersão, a fim de não fazer como aquele que, diante do televisor, salta duma canal para outro, sem conseguir concentrar-se.

* Terceira: clareza doutrinal. Quem apresenta o texto deve propor um itinerário simples e capaz de ser facilmente decorado pela assistência. Esta deve, de facto, poder memorizar os pontos fundamentais da exposição. É verdade que se pode utilizar uma folha escrita; mas se nem sequer esta se pode memorizar, as pessoas perdem-se. Por isso, requere-se que o pregador tenha memorizado a sua exposição, servindo-se embora dum esquema.

Naturalmente, sugiro que se tenham sempre presentes os três momentos fundamentais da Lectio divina: Lectio, Meditatio, Contemplatio. Mediante estas, é fácil memorizar o texto: a Lectio põe em ressalto os elemento próprios do texto; a Meditatio interroga-se sobre a mensagem central do texto; a Contemplatio faz-nos perguntar qual é a relação com Jesus, Senhor da minha vida, Filho do Pai, e qual é a relação com o Pai, de modo que eu possa entrar na Oração.

Esta escansão é importantíssima e é fácil retomá-la pessoalmente. E acrescentaria ainda um quarto momento: algumas perguntas para a reflexão e a acção; mas nunca mais de três questões, para não criar confusão e para que cada um possa memorizá-las ou apontá-las.

* Quarta: uma modalidade participativa de exposição: não apresentar o texto como uma lição sabida antecipadamente, mas como algo que estou a estudar juntamente com quem me escuta. Portanto, convidando os jovens a participar nas perguntas que eu faço ao texto, tornando-os participantes nas hipóteses que eu proponho. Este método coloca os ouvintes em actividade, evitando que permaneçam apenas e só ouvintes passivos.

* Quinta: proporcionar, durante o encontro um tempo de absoluto silêncio, como sendo o tempo mais importante. Sei que é difícil; sei que, muitas vezes, não se tem a coragem de estar em silêncio, que se tem medo do silêncio. Quando orientava a Escola da Palavra na catedral, eu exigia sempre um quarto de hora de absoluto silêncio, sem cânticos, sem música de fundo. Pertence ao orientador perceber se o tempo de silêncio deve ser mais ou menos longo, e poderá também sabiamente interrompê-lo, se achar necessário. De qualquer modo, deve haver sempre silêncio. O silêncio, de facto, é o sinal eficaz de que não se está lá apenas para ouvir, mas que se está também para uma relação pessoal com o texto.

Estas são as cinco condições que acho necessárias para uma verdadeira Escola da Palavra; condições objectivas, ambientais, metodológicas; todas elas muito importantes.

5. Como preparar-se para obter os frutos

A ideia fundamental é de entrar pessoalmente no texto, de lutar com o texto e de rezá-lo. A primeira questão não é, portanto: Que vou dizer sobre esta página? Nem sequer: O que é que me diz esta página? Mas: O que é que diz?

Prescindindo do facto de que deverei explicá-la ou propô-la, devo colocar-me diante do texto como se fosse essa a primeira vez:
- O que diz?
- Quais os elementos de relevo, as colunas narrativas ou expositivas?
- Qual a mensagem-chave, o coração do texto?
- Qual a sua relação com o Senhor Jesus, com o Pai, com o desígnio salvífico de Deus?

Este é um outro modo de dizer: Lectio, Meditatio, Contemplatio; são sempre estas as três questões fundamentais.

Neste trabalho de relação pessoal com o texto, podeis procurar ajuda nalgum comentário, não para saber o que ele diz, mas para lutar melhor com as palavras do Evangelho, para dominar o texto. Depois de percebido o que diz o texto, perguntar-se-á, então:
- O que é que me diz?
- Que mensagem do texto fere mais a minha atenção?
- Que oração me sugere?

Toda esta preparação deve ser feita antecipadamente, um mês antes do encontro da Escola da Palavra, de modo que ela penetre no meu interior. Depois, poderei facilmente decidir o que vou dizer a quem me escuta.

6. Conclusão

As sugestões que vos ofereci servem de introdução. Deixo a quem fez o trabalho de preparação a tarefa de nos expor as propostas, as hipótese de partida, no que se refere aos temas e ao seu desenvolvimento. As propostas são muito belas, muito ricas; no entanto, não deveis deixar-vos iludir; elas não tiram nenhum trabalho pessoal que vos espera. Por vezes, uma proposta demasiado bela pode levar a pensar que não existem outras; temos que fazê-la nossa e refazê-la continuamente".

Esta proposta concreta do card. Martini pode aplicar-se a todas as classes de pessoas. Porque a Palavra de Deus, lida nesta perspectiva orante, é algo essencial para manter o cristianismo vivo num mundo secularizado.

Poderíamos concluir este método de leitura da Bíblia com algumas palavras do Concílio Vaticano II sobre a Lectio Divina. A todos os cristãos, diz a Dei Verbum: "O sagrado Concílio exorta com veemência e interesse todos os cristãos, mormente os religiosos a que aprendam 'o supremo conhecimento de Jesus Cristo' (Fil 3,8), com a leitura frequente das divinas Escrituras. Porque 'desconhecer as Escrituras é desconhecer a Cristo'...Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada da oração, para que se verifique o colóquio entre Deus e o homem; pois, 'com Ele falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos" (DV 25; ver nº 2).

O mesmo afirma acerca dos presbíteros: "À luz da fé, alimentada pela leitura da Sagrada Escritura (lectione divina) podem perscrutar atentamente os sinais da vontade de Deus e os impulsos da Sua graça nos vários acontecimentos da vida e assim, tornaram-se cada vez mais dóceis à sua missão assumida no Espírito Santo" (PO 18; ver PC 6; A A 4).
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[1]. O documento que aqui apresentamos foi entregue pelo card. Martini a cada um dos participantes na reunião anual da FEBICA (Federação Bíblica Católica), área da Europa latina, em que participou o autor deste artigo (18-20 de Outubro de 1991). Ver Bulletin Dei Verbum, nº 24, Stuttgart, 1992, p. 8.13.

Extraído de http://www.capuchinhos.org/porciuncula/ler_biblia/6_10_escola_da_palavra.htm acesso em 18 ago. 2008.

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