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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Abrir-se ao amor maternal

E com confiança um manifeste ao outro a sua necessidade, para que lhe encontre e sirva nas coisas necessárias. E cada qual ame e nutra a seu irmão, como a mãe ama e nutre seu filho, nestas coisas Deus lhe concederá a graça” (Rnb 9,10-11).
Na espiritualidade franciscana, o sentido maternal nos relacionamentos é de suma importância, não porque vem de uma doutrina, mas do próprio exemplo de Francisco e Clara. Podemos verificar quando ele diz na Regra não bulada: o irmão “deve amar e nutrir seu irmão como uma mãe”.

Francisco usa dois verbos importantíssimos para nos ensinar a cuidar uns dos outros: nutrir e amar. Para o Pobrezinho de Assis não deveriam existir na fraternidade “Pais”, pois o nosso único Pai é aquele que está nos céus e que ninguém pode tomar-lhe o lugar, nem mesmo a consangüinidade, o que se demonstra pelo doloroso rompimento com o seu pai terreno Pedro Bernardone para se dedicar inteiramente ao Pai que está no céu. Mas o interessante é percebermos que Francisco não tem medo de pedir aos frades que sejam mães uns para os outros, fruto de sua experiência como irmão entre os irmãos, mas ao mesmo tempo como aquele que tem a missão de acolher, cuidar e introduzir no carisma cada irmão que o Senhor lhe doa.

Os dois verbos amar e nutrir expressam a atenção e dedicação para com o outro, onde não se exige somente o bem estar material, de não passar necessidades, mas antes de tudo o acolhimento, a aceitação, o cuidado pelo ser do outro, não tanto pelo que ele pode dar, mas pelo que ele é.

Vemos que o próprio São Francisco em outras passagens vai pedir para sermos mãe também de Jesus Cristo, como, por exemplo, na 2ª. Carta aos Fiéis: “são mães, quando o levamos no coração e em nosso corpo”. O mesmo sentimento e intuição encontramos nos relatos sobre Santa Clara:
“A venerável abadessa não amava só as almas das filhas: servia também seus corpos com o zelo de uma caridade admirável. Muitas vezes no frio da noite, cobria-as com as próprias mãos enquanto dormiam, e queria que se contentassem, com um regime mais benigno as que via incapacitadas para a observância do rigor comum. Se alguma, como acontece, estivesse perturbada por uma tentação, ou tomada de tristeza, chamava-a a parte e a consolava entre lágrimas. Às vezes se ajoelhava aos pés das que sofriam para aliviá-las com carinho materno. As filhas, gratas por sua bondade, correspondiam com toda a dedicação. Acolhiam o carinho afetuoso da mãe, respeitavam na mestra o cargo de governo, acompanhavam o procedimento correto da formadora, e admiravam na esposa de Deus a prerrogativa na esposa de Deus a prerrogativa de uma santidade tão completa” (Legenda de Santa Clara, 38)
Ligando-se à nossa vida consagrada, somos chamados a entrar numa verdadeira escola de comunhão, e não de consumo, onde o outro não é mero instrumento das nossas vontades, mas um irmão e uma irmã que estão a caminho, onde carregam os fardos uns dos outros, numa palavra ter o coração materno de Deus que é amor. Amor segundo o pensamento bíblico é o amor das entranhas, que vem da profundidade do coração, igualável somente ao amor maternal, onde pode brotar a compaixão, a misericórdia e o perdão. O amor de mãe é tão grande e tão bonito que chega a ser comparado na Bíblia com o próprio amor de Deus: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti” (Is 49,15).

Jean-Yves Leloup recorda uma frase dita pelo Dalai Lama, líder espiritual budista, que nos lembra o amor maternal para com todos: “se você quer saber o que é compaixão (no cristianismo usa-se mais a palavra misericórdia), pense que você é uma mãe, que você tem um ventre e que todos os seres vivos são os seus filhos, são filhos de sua matriz, são filhos de seu coração.”

Mais do que sermos irmãos e irmãs, na fraternidade genuinamente franciscana nos insere na dinâmica do cuidado maternal para com os outros, para que se crie a atmosfera “divina”, que nos permite respirar numa família onde encontramos não ausência de dificuldades, mas segurança de que não estamos sós.

Para a maioria dos seres humanos, a segurança cresce dentro da família, que é um lugar seguro, capaz de absorver feridas e curá-las sem julgamentos. Não fala de se fazer sempre bem às coisas ou de ser forte e perfeito, mas de perdoar e de ser uma base para onde os seus membros regressam um ambiente seguro onde se podem revoltar relaxar e encontrar a própria identidade. A vida consagrada não cria um oásis de vida perfeita, mas antes uma verdadeira família, o lugar para onde todos podem regressar sem temer a rejeição.

A metáfora mais forte de Jesus sobre Deus foi como pai do Filho Pródigo, tentando manter na mesma casa de família o filho mais velho cumpridor do dever e o filho pródigo, apegado à sua “liberdade” de fazer o que bem entende. Porém o que mais surpreende não é a atitude de um dos filhos, mas do pai, que usa de ternura e acolhimento, não focalizando tanto as ações, mas a dignidade do ser filho. Essa parábola reproduz esse cuidado de Francisco para com seus frades, principalmente os enfermos, os afastados por diversos motivos, mas que podiam encontrar no seu coração o espaço sempre reservado. Francisco aprendeu no nosso Deus a ser mãe, pois o nosso criador é mais mãe do que pai, quando fala de amor, mesmo quando é exigente.

Frei Eldi Pereira - (email): É mestre em Teologia Espiritual pela Pontifícia Universidade Antoniana-Roma e vice-mestre dos postulantes em Marabá-Pa.

Extraído de http://www.promapa.org.br/2006/index.php?pag=artigos&exibartigo=79 acesso em 8 set. 2008.

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