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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fraternidade Franciscana Secular: Evangelho para o Mundo de Hoje?

Francisco, leigo penitente, “já inteiramente mudado de coração, e quase mudado no corpo, andava um dia pelos arredores da igreja de São Damião, abandonada e quase em ruínas. Levado pelo Espírito, entrou para rezar e se ajoelhou devotamente. Tocado por uma sensação nova para ele, sentiu-se diferente do que tinha entrado. Pouco depois, coisa inaudita, a imagem do Crucificado mexeu os lábios e falou com ele. Chamando-o pelo nome, disse: ‘Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está toda destruída’. A tremer, Francisco espantou-se não pouco e ficou fora de si com o que ouviu. Tratou de obedecer e se entregou todo à obra. Mas, como nem ele mesmo conseguiu exprimir a sensação inefável que teve, também nós vamos nos calar. Desde essa época, domina-o enorme compaixão pelo Crucificado, e podemos julgar piedosamente que os estigmas da paixão desde então lhe foram gravados não no corpo mas no coração” (2Cel 10). “E, sem preguiça, tratou de fazer o resto, trabalhando sem cessar na restauração daquela igreja. Porque, embora lhe tivesse falado daquela Igreja que Cristo conquistou com seu próprio sangue, não quis ir de repente ao alto, porque devia passar aos poucos da carne para o espírito” (2Cel 11).

Com tal experiência sobrenatural, a atuação divina faz-se presente na missão entregue a Francisco. Possui ele uma força interior misteriosa que, como se fora um ímã, atrai as pessoas a seguirem seu exemplo no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, “inspirador de sua vida com Deus e com os homens”. Isso acontece com os Irmãos ou Frades Menores, as senhoras Pobres e com os Irmãos e as Irmãs da Penitência. Os últimos são os leigos, que dele “receberam inspiração e orientação para viverem segundo o Evangelho” (Carta dos quatro gerais da família franciscana), o que constitui a maior originalidade de Francisco naquela época, pois a mentalidade medieval concebia a santidade como privilégio só dos que a buscassem nos mosteiros, conventos e eremitérios.

Assim, os leigos têm conversas, encontros periódicos com ele. Mais importante ainda é terem sido agraciados com um documento cujo conteúdo é o de um programa com intuitos pastorais. Trata-se da Carta aos fiéis, exortação escrita provavelmente entre 1215 e 1223. Constitui verdadeiro tesouro de espiritualidade bíblica, impregnado das palavras odoríferas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seu valor está nas idéias centrais com que Francisco vai concretizar a vida dos Irmãos e das Irmãs da penitência. Seu objetivo é, acima de tudo, promover a união entre os que são impulsionados pelo Espírito Santo ao mesmo ideal, “a fim de serem santificados na unidade” (Jo 17,25). Por isso, o estilo de vida em fraternidade caracteriza seus projetos, ilumina o plano e a organização de sua obra. Para os leigos, porém, que vivem em suas próprias casas, solteiros ou casados, pertencentes às diversas camadas sociais, Francisco planeja a Fraternidade mista, conforme se dirige aos destinatários da Carta aos Fiéis. Com certeza ele sonha com famílias, também vocacionadas para viverem o Evangelho, dos avós até os netos, pois considera esta forma de vida como um dom do Altíssimo.

O convívio entre os irmãos e as Irmãs, idosos e jovens, deve ser marcado pelo amor a Deus e aos irmãos: “Quão felizes e benditos são aqueles que amam o Senhor ‘de todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as forças’ (Mc 12,30) e ao próximo como a si mesmos (cf. Mt 22,39), odiando seus corpos com seus vícios e pecados, recebendo o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e produzindo frutos dignos de penitência. Felizes e benditos os que assim fazem e assim perseveram, porque sobre eles repousará o Espírito do Senhor’ (cf. Is 11,2) “(1CtFi 1-2).

Francisco explica com sabedoria o sentido do ódio ao corpo com seus vícios e pecados: “E odiemos o nosso corpo com seus vícios e pecados, porque quer viver carnalmente e privar-nos assim do amor de Nosso Senhor Jesus Crista e da vida eterna” (RNB 22,5). Aconselha, no entanto, aos irmãos a amarem a Deus com as forças do corpo: “Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito, com toda nossa capacidade e força, com todas as virtudes do espírito e do corpo (Dt 6,5)...o Senhor nosso Deus que nos deu a nós.., todo o nosso corpo” (RNB 23,23-24).

Quanto aos que recebem o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo recomenda: “E assim, contritos e confessados, recebam o corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com grande humildade e respeito, recordando que o próprio Senhor disse: ‘Quem come e bebe meu sangue possui a vida eterna’ (Jo 6,55)”(RNB 20,7-8). A Eucaristia é, para Francisco, “nova Encarnação” (Adm 1,19-23).

Francisco, adorado “em espírito e verdade” (Jo 4,23-24), baseia a vida da fraternidade na co-participação da vida de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, Trindade Una na pluralidade de Pessoas. Os Irmãos e as Irmãs são filhos do Pai celestial (Mt 5,45) cujas obras fazem e são esposos, irmãos e mães de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo Espírito Santo (Mt 12,50). Somos seus irmãos quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus (Mt 13,50). Somos mães, quando o trazemos em nosso corpo (1Cor 6,20) pelo amor divino e por uma consciência pura e sincera; e o damos à luz pelas obras santas que, pelo exemplo, devem ser luz para os outros (Mt 5,16) (cf. lCtFi 3-7). As citações dos evangelhos e de São Paulo fundamentam a importância das relações interpessoais e a riqueza que confere à existência humana o viver uns com os outros e para os outros, numa integração fraterna. Mas, de repente, Francisco interrompe o assunto e deixa extravasar sua sensibilidade mística. Explode em amor na mais alta e inefável contemplação: “Como é glorioso, santo e sublime ter um Pai nos céus! Como é santo, consolador, belo, admirável ter um tal esposo! Como é santo e dileto, agradável, humilde, pacifico, suave, amável e sobretudo desejável ter tal irmão e tal filho: Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele entregou sua vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10,15)”(lCtfi 8-9).

Num dos parágrafos da Carta, retomando a oração sacerdotal de Jesus, fala da unidade (lCtFi 9-15).

Francisco dirige-se então aos Irmãos e Irmãs que não vivem em espírito de penitência. Não recebem o Corpo e o Sangue do Senhor. Conscientemente praticam o mal e perdem deliberadamente a salvação. Para estes e estas usa de drástica advertência, abrasado por zelo indescritível. Mas pede-lhes que recebam benignamente as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo que são espírito e vida, fazendo que cheguem ao conhecimento de todos.

Para quem tenta conhecer o pensamento e a criatividade apostólica de Francisco é possível ver claramente a coincidência de sua abertura aos leigos e a forma de vida que lhes dá com as orientações dadas pelo Concilio Vaticano II no momento atual.

Hoje, os Irmãos e as Irmãs da penitência são chamados franciscanos seculares. Procuram “voltar à origem, à experiência espiritual de Francisco de Assis e dos Irmãos e das Irmãs da penitência”. Tal propósito vem sugerido pela inserção da Carta aos fiéis na Regra da ordem Franciscana Secular.
Texto de Celina Braga de Campos, OFS – Belo Horizonte
Extraído de http://www.pvf.com.br/v3/carisma/ofs/artigos/fraternidade.php acesso em 18 nov. 2008.

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