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sexta-feira, 6 de março de 2009

Os Encontros na vida de Francisco

Frei Jean Lucy Toledo Vieira, OFM

Olhando para a trajetória de Francisco, podemos determinar alguns ‘encontros’ que são essenciais em seu processo de caminhada e conversão. Tais encontros não acontecem ao acaso, de forma simplória, mas é resultado de buscas cotidianas e, nos encontros de Francisco estão também os nossos, o de cada um em particular, talvez com uma nova configuração, uma nova roupagem, novas estruturas, mas é inegável o fato de que, como filhos e irmãos de São Francisco, precisamos, nós também, trilhar os caminhos que nos conduzam às nossas próprias descobertas.

O encontro consigo mesmo

Todo o processo de mudança de vida parte da pessoa. Só se muda o que se conhece. Em outras palavras, é preciso tomar consciência do que se é, se de fato queremos crescer nos vários aspectos que somos. O encontro consigo mesmo então é essencial. É o que hoje denominamos processo de autoconhecimento. Conhecer-se para então agir sobre o que somos, cientes de nossas dificuldades, limitações e virtudes.

Os episódios narrados nas primeiras biografias de Francisco, de forma especial os que se encontram na Legenda dos Três Companheiros, nos dão uma visão do processo pelo qual ele passa neste sentido. A derrota na guerra talvez seja um dos primeiros momentos onde ele se dê conta de sua limitação. O tempo na prisão não o deixa mais como era antes e a doença que vem em seguida também contribui para que reflita cada vez mais sobre si mesmo. Tanto que as narrativas que vêm depois disso, nos dão o retrato preciso de um jovem mais introspectivo, buscando dentro de si muitas respostas para a própria existência. Isso se concretiza ainda nos grandes momentos de oração que passa a ter, isolando-se cada vez mais. Nos momentos que passa em busca e no encontro consigo, encontra também a presença de Deus e os textos usam uma expressão interessante para dizer que ele não buscava as coisas mundanas ou simplesmente subjetivas, mas que encontrava as que lhe eram essenciais: o íntimo da sua alma.

Encontro com os pobres

Ao se encontrar consigo mesmo, Francisco percebe a importância de se descobrir enquanto pessoa que é. E, então, da mesma forma, descobre no outro o que o outro é. Na figura do pobre que certa vez lhe pede esmola, sua limitação é ressaltada diante da negativa que faz. Iluminado pela graça divina, como nos relata a Legenda dos Três Companheiros, se dá conta do que acabara de fazer e volta atrás na decisão, colocando em seu íntimo o propósito de nunca mais negar nada a um pobre que lhe pedisse algo pelo amor de Deus. E por toda a sua vida veremos uma presença próxima e íntima com os que não têm vez nem voz. Não na forma de assistencialismo barato, mas se fazendo um com eles.

No encontro com o pobre há o encontro com o humano de fato. Ali o homem é, sem máscaras. Importante ressaltar o seguinte aspecto: a vocação de Francisco, que o faz descobrir-se a si mesmo, o lança ao outro. Nenhuma vocação é genuína se não traz em si a dimensão do outro. Nenhuma vocação se encerra em si mesma.

O encontro com o leproso

O que antes me era amargo, agora se me convertera em doçura de alma e do corpo. Assim diz Francisco em seu Testamento, no fim da sua vida. E aqui há uma nítida referência à sua relação com os leprosos, a quem não suportava sequer o fato de vê-los. O encontro com o leproso nos mostra algo interessante sobre o jovem Francisco.

Para Francisco, o encontro que faz caracteriza-se pelo domínio de si mesmo e mostra a gradatividade do processo que se está desenvolvendo em sua pessoa: conhece-se, se lança ao próximo e então começa a vislumbrar a possibilidade de dominar em si até mesmo o que não gosta, não suporta, dando a isso uma resignificação interessante e concreta. Quando consegue se encontrar consigo mesmo, supõe-se que tenha visto aí todas as suas qualidades e defeitos e tenha se relacionado de forma franca com isso, consegue assim, aceitar a figura do leproso externo. Mais que isso, se reconcilia com ele, abraça-o, tem com ele uma relação de intimidade profunda. Que não é superficial, mas que se prolonga por toda a vida.

A Legenda Maior nos fala dos efeitos que este encontro legou a Francisco: ‘Daí em diante tentou aprofundar o espírito de pobreza, o gosto da humildade e a doçura da piedade’.

O encontro com o crucificado

O episódio que acontece diante do Crucifixo de São Damião tem uma singularidade interessante: a expressão máxima da obediência de Francisco. Ele crê ser Deus quem lhe fala de fato e não há titubeação em concretizar o que Ele lhe pede: reconstruir a Igreja. Põe-se a trabalho nas condições que está e sem medo de errar.

O encontro com o crucificado lhe marcará em vários aspectos por toda a vida. Ali temos o que Francisco, como nos relata Celano, viria a ser depois, ele mesmo um crucificado, trazendo em si as marcas da Paixão de Cristo. Mas encontramos ainda a característica inegável de que, para Francisco, Cristo também é glorioso, está vivo, o que também demonstra com a vida ao longo de sua existência. O Cristo pobre, humilde e crucificado, lhe marcará para sempre e trará uma dimensão teológica estupenda para o que viria a ser o franciscanismo mais tarde.

O encontro com o Evangelho

Desde o início, vemos a presença do Evangelho determinando a vida e as ações do pobrezinho de Assis. Tanto que diz: a vida e a regra dos frades menores é viver o santo Evangelho. Ali está o segredo para a sua vida e da fraternidade que Deus lhe concede.

A iluminação pela Palavra de Deus nos vários episódios que nos são narrados demonstram claramente que Francisco não queria agir por si, mas que queria a todo custo fazer a vontade do grande Rei. Importante ressaltar que o contexto onde esta relação com a Palavra se dá é na Igreja. Francisco não se coloca fora da Igreja, pelo contrário, busca o entendimento do Evangelho na voz da Igreja, se coloca dentro, sob a proteção desta, como o fará mais tarde ao pedir a aprovação do papa Inocêncio III.

O encontro com os irmãos

Francisco não pede irmãos, não vai atrás deles. O Senhor os envia a si. E ele os acolhe como estes chegam. Não usa critérios de ‘escolha’ de um ou outro candidato; o que somos hoje enquanto família franciscana é o resultado e o legado deste acolhimento: lugar para todos, em todas as formas de vida. Acolhe porque sabe que quem envia é Deus, é Ele quem lhe concede estes irmãos como dom. Sua missão é unicamente acolher e encaminhar a todos para o Evangelho. Reflexões Nossa reflexão não pode se voltar unicamente para os fatos da vida de Francisco, mas ter como meta nossa própria existência: como estamos em nosso processo de encontro? Quais os encontros que já fizemos, em maior ou menor intensidade e como os fazemos no concreto do dia a dia? Temos de fato nos proposto a nos encontrarmos, conosco, com Deus e com o outro?

Contato com o autor: jeanlucyt@gmail.com

NOTA: Tomamos aqui emprestada a metodologia utilizada por URIBE, Frei Fernando in: O processo vocacional de Francisco de Assis: os seis encontros que determinaram a sua vida. Conferência pronunciada durante o Congresso Internacional de Animadores Vocacionais dos Frades Menores, Assis 7-29 outubro de 2000, bem como algumas idéias sugeridas por FASSINI, Frei Dorvalino e equipe in: Legenda dos três Companheiros: iniciação à Vida Religiosa Franciscana. São Paulo: Loyola, 1993.

Extraído de http://www.mifra.org/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=88 acesso em 05 mar. 2009.

Ilustração: MONTANARI, S. (1776-1850). Êxtase de S. Francisco.

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