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quinta-feira, 26 de março de 2009

Solidariedade universal : virtude franciscana

Por Leonardo Boff

Por motivos alheios à minha vontade, por razões de saúde, não pude participar do seminário sobre a solidariedade promovido pela Missionszentrale dos Franciscanos alemães. Através desta pequena reflexão quero, de alguma forma, estar presente.

Considero o tema da solidariedade um dos mais urgentes como resposta à barbárie dos tempos atuais, no mundo e no Brasil. É porque somos cruéis e sem piedade, é por não termos a solidariedade mínima entre os co-iguais que a maioria dos humanos atualmente sofre todo tipo de carências que lhes encurtam a vida e os sobrecarrega de sofrimentos.

O Brasil, como é sabido por dados de organismos internacionais, é um dos países que pior distribui a riqueza e, por isso, configura-se como um dos países socialmente mais injustos do mundo.

Tudo isso remete a uma falta histórica de solidariedade que se mantém e se agrava dia a dia. No mundo, de modo geral, não é muito diferente.

Os países opulentos destinam menos de 1% de sua riqueza interna para debelar o flagelo da miséria e da fome. Para enfrentar este descalabro humano, faz-se urgente uma segunda abolição da escravatura, motivada por uma revolução ética mais que por uma revolução política.

Temos que despertar um sentimento profundo de irmandade e de familiaridade que torne intolerável essa desumanização. Precisamos, pois, de solidariedade urgente e efetiva, para com todos estes caídos na estrada.

Como fundar hoje a solidariedade para além da visão bíblica, cristã e franciscana que já faz parte de nossa interpretação do mundo? Vamos privilegiar uma reflexão que parte de um olhar novo, derivado das assim chamadas ciências da Terra e da vida. Aí aparece a solidariedade como algo que está inscrito, objetivamente, na natureza de todos os seres. Pois, todos somos interdependentes uns dos outros. Nunca existimos sozinhos, mas sempre coexistimos no mesmo cosmos e na mesma natureza com uma origem e um destino comuns.

Cosmólogos e físicos quânticos nos asseguram que a lei suprema do universo é a da solidariedade e da cooperação de todos com todos. Tudo tem a ver com tudo em todos os pontos e em todos os momentos.

A própria lei da seleção natural pela vitória do mais forte, segundo Darwin, deve ser pensada no interior desta lei maior da solidariedade de todos com todos. Se somente os mais fortes sobrevivessem, os dinossauros estariam ainda aqui até os dias de hoje. Não teriam desaparecido há 67 milhões de anos atrás por não saberem se adaptar às modificações sofridas pela Terra.

De mais a mais, os seres existem não apenas para sobreviver a partir dos mais fortes, mas todos eles existem, também os mais fracos, para realizar as virtualidades presentes em seu ser e mostrá-las a todos os demais. Os seres humanos nunca deixaram de condenar o assim chamado darwinismo social, quer dizer, o triunfo do mais forte e do mais dominador sobre os outros. Em seu lugar sempre se propôs a compaixão, o cuidado e amor como as atitudes mais adequadas entre os seres humanos. Assim todos devem poder ser incluídos, também os mais fracos e se evita que sejam eliminados ou excluídos.

Eles pertencem à família humana e devem ser acolhidos como irmãos e irmãs. A solidariedade se encontra na raiz do processo de hominização, quer dizer, ela está na base do surgimento do ser humano na arena da história.

Nossos ancestrais hominidas, há 4 ou 5 milhões de anos atrás, ao saírem em busca do alimento, não o consumiam individualisticamente, como o fazem ainda hoje os primatas e símios superiores, tão próximos a nós, como os gorilas e chimpanzés. Eles recolhiam os frutos ou a caça e os traziam ao grupo. E então repartiam tudo solidariamente e comiam comunitariamente.
Foi, portanto, a solidariedade que permitiu o salto da animalidade à humanidade e à criação das relações sociais que permitiram o surgimento da fala. Somos o único ser da criação que fala e constrói sentidos a partir da fala.

Todos devemos nossa existência ao gesto solidário de nossas mães que nos acolheram na vida e na família. Esses dados objetivos devem ser assumidos subjetivamente como projeto da liberdade de cada pessoa que decide incorporar a solidariedade como atitude básica em sua vida. A solidariedade deve ser pessoal, comunitária, social, política e planetária, o conteúdo das relações entre todos, como o enfatizou João Paulo II em sua encíclica sobre a solidariedade (Solicitude rei socialis).

Por isso, a solidariedade política, por exemplo, ou será o eixo articulador entre todos os povos, estados e da emergente sociedade mundial ou não haverá, a longo prazo, futuro para ninguém. Esta solidariedade deve ser construída a partir de baixo, das vitimas dos processos sociais e a partir dos sofredores deste mundo. O imperativo ético soa: "solidariza-te com todos os seres, teus companheiros de aventura planetária e cósmica, especialmente os seres humanos mais prejudicados para que todos possam ser incluídos em teu cuidado".

Ontem como hoje é a solidariedade que revela o índice de humanidade e de cuidado que existe entre os seres humanos. Sem a solidariedade permanecemos no nível dos seres pré-humanos e não irrompemos como plenamente humanos. Importa também estender a solidariedade para com as gerações futuras, pois elas também têm direito a uma Terra habitável.

De São Francisco aprendemos que a solidariedade deve ser vivida irrestritamente também com todos os seres da criação. Não deixar que sofram ou se sintam ameaçados. Por isso retirava os bichinhos dos caminhos para não serem pisados, libertava os pássaros aprisionados, tinha compaixão de todos os que sofriam.

Concluindo, nossa missão é de cuidarmos dos seres da criação, de sermos os médicos e enfermeiros dos que sofrem, de sermos os guardiães do patrimônio natural e cultura! comum, fazendo com que a biosfera continue um bem de toda vida e não apenas nosso e de nos solidarizarmos com todas as criaturas, a partir dos últimas e das que mais sofrem. A Missionszentrale é uma expressão desta solidariedade a nível internacional no seguimento do Cristo e nas pegadas de São Francisco. Por isso lhe seremos permanentemente reconhecidos e gratos.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/boff.php acesso em 15 fev. 2009.

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