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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Clara de Assis e a valorização do feminino

Frei Fernando Araújo, OFMConv.
Em todo tempo da história da humanidade prevaleceu a visão de que os homens eram superiores às mulheres e que elas precisavam de certa proteção devido às suas limitações como “seres inferiores” que eram. E hoje, em determinados lugares do mundo, a mentalidade de uma sociedade patriarcal é muito grande e os valores femininos são completamente esquecidos e ignorados.

Mas fazendo uma volta ao passado, encontramos uma mulher que soube ultrapassar a mentalidade de sua época. Essa mulher chama-se Clara de Assis, e ela respondeu ao chamado de Deus para seguir o seu Filho de maneira simples e pobre como estavam fazendo Francisco de Assis e seus companheiros.

E toda essa bonita história começa a convicção de Clara de que era uma escolhida de Deus para ajudar Francisco nessa nova maneira de seguir Jesus. Chegando ao grupo do jovem de Assis, Clara começa a trabalhar e mostrar para quê veio acrescentar um novo sentido ao movimento dos pobres de Assis. Desse modo, Clara começa a dar um traço feminino à forma de vida que Francisco iniciou. E esse novo sentido começa a ganhar força com as primeiras companheiras de Clara de Assis, num grupo que aumentava cada vez mais.

Não restam dúvidas que Clara de Assis marcou os inícios do franciscanismo com sua personalidade e visão de mundo, e que ajudou Francisco em seu itinerário de santidade e a organizar a vida dos frades. Com sua decisão firme e corajosa, chama a atenção daqueles e daquelas que se dispuseram a abraçar o Cristo crucificado, a fim de que não desistissem de continuar no caminho que traçavam por amor ao pobrezinho de Belém e a sua Mãe Santíssima. Com essa atitude, mostrava todo sofrimento que passara para seguir a Jesus Cristo. Mostrava também que rompera completamente com o sistema dominante de sua época, lutando a todo custo para seguir o Evangelho em sua radicalidade. Com essas atitudes percebe-se a mulher forte que é Clara de Assis.

Tudo isso foi possível porque Clara soube assumir profundamente todas as suas potencialidades femininas como enriquecimento da própria aventura evangélica. As potencialidades femininas de Clara era a de não impor, nem tomar uma decisão que colocaria todos ao seu redor em perigo e constrangimento. Com amor e delicadeza, zela pelo bem de todos e procura dar sentido à sua vocação de mulher consagrada edificando a Igreja e atualizando o Evangelho em sua vida.

Ela demonstra, através da raiz e do desenvolvimento de sua jornada espiritual, que como mulher é preciso escolher um caminho próprio, determinando seus atalhos com esforço e angústia, em direção à identificação do seu ser de mulher. E vai mais longe em sua luta pela valorização da mulher de sua época, tendo a coragem de pedir a aprovação de uma regra para ela e suas irmãs. Clara tornou-se assim a primeira mulher a ter uma regra de sua autoria aprovada em uma sociedade totalmente patriarcal.

Clara tem uma força que faz o diferencial da forma de vida religiosa na Idade Média. Ela não quer para si o modelo reinante da vida religiosa para as mulheres. Clara deseja do fundo do coração anunciar o Evangelho de Jesus Cristo para toda a cidade de Assis e para todo o mundo, e deseja ardentemente morrer por amor, pela causa do Evangelho de Cristo. Ela tinha uma atitude madura, despojada, pobre e livre, e ao mesmo tempo tinha plena consciência de que estava fazendo uma ruptura com o modelo reinante de sua época. Clara é o protótipo da mulher disponível diante da plenitude de Deus, porque estava completamente aberta em sua psicologia integrada e sensível. Clara se faz peregrina, caminhante em busca do Reino que vem. Todo o seu ser de mulher é colocado à disposição deste Reino que já se faz presente na comunhão de vida que ela vive com suas irmãs, como todos os seres humanos e com todas as criaturas de Deus.

Estudando a vida de Clara de Assis, logo se percebe que ela é portadora do Evangelho. Diante de todos, não tem medo de mostrar o amor de Deus pela humanidade por meio do seu Filho Jesus Cristo. O que era proibido para as mulheres, em Clara ganha força e adeptos, em sua maneira de viver a forma evangélica e de falar, de enfrentar todos os perigos e preconceitos, sempre por amor do Evangelho. Com seu ardor missionário e apostólico falava a todos sobre a importância de abraçar a causa do verdadeiro bem e do verdadeiro valor da vida, que era o Evangelho de Cristo Jesus. E para que isso se realizasse, ela rompe com silêncio e com empenho e força a anuncia a mensagem evangélica.

Irmã Maria Bernarda, clarissa capuchinha, em seu artigo sobre a vida de santa Clara afirma que Francisco, como todos de sua época, pensava que a mulher era um ser fraco e frágil, carente de cuidados específicos como as crianças e os idosos, necessitando de apoio e proteção. Mas depois percebeu a força e a determinação de Clara quando ela mostrou a importância da mulher na divulgação do Evangelho. Em outras palavras, Francisco percebe que em Clara a mulher ganha espaço e importância na vida social e religiosa de Assis.

Pesquisando os escritos de santa Clara percebemos grandes expressões que mostram essa recuperação do feminino. As freqüentes citações escriturísticas são trechos esponsais dos salmos, como o Salmo 44, ou o Cântico dos Cânticos, citado onze vezes, especialmente nas cartas a Inês de Praga.

O relacionamento com Jesus Cristo que Clara tem é relacionamento nupcial, que caracteriza todo relacionamento feminino da pobre de Assis com o sagrado. Jesus é o esposo bem-aventurado, celeste, de origem nobre, enquanto ela é a esposa de Jesus Cristo, do cordeiro imaculado.

Roberto Zavalloni, em seu livro A Personalidade de Santa Clara de Assis – Estudo psicológico mostra que na visão mística clariana o relacionamento nupcial com Jesus esposo caracteriza-se por uma ótica tipicamente feminina. Cristo, o esposo, como todos os esposos, é o mais belo entre os homens; sua beleza é sedutora, e ele concede os mais diversos favores à sua esposa. Tal conceito é muito recorrente na vida de Clara.

A santa de Assis vive a fidelidade como valor qualificador, seja de sua experiência religiosa, seja de sua personalidade de mulher. E fidelidade para Clara significa imitação, seguimento, observar o que prometeu guardar os valores humanos e religiosos. A fidelidade é um ponto chave para entender o pensamento de Clara de Assis e todo o seu movimento que mostra uma nova concepção de ser mulher da Idade Média. Com Clara foi rompida uma visão de mundo que não respondia ao convite do Evangelho. Clara foi uma mulher que deu sentido à sua existência, mostrando numa época pouco provável que as mulheres sempre ocuparam um espaço importante na sociedade e têm muito a contribuir para desenvolvimento – inclusive espiritual – da humanidade.

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