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sábado, 19 de dezembro de 2009

O Cristo eterno na história cósmica

Pe. Richard Rohr é um sacerdote franciscano da província do Novo México, nos EUA. Ele fundou a New Jerusalem Community, em Cincinnati, em 1971, e o Centro para Ação e Contemplação, em Albuquerque, em 1986, onde ele atualmente atua como diretor-fundador. Ele contribui regularmente com as revistas Sojourners e Tikkun e é autor de livros como "Everything Belongs: The Gift of Contemplative Prayer", "Things Hidden: Scripture as Spirituality" e "Adam’s Return: The Five Promises of Male Initiation".

Ele é um palestrante e orientador de retiros muito requisitado. Os temas que ele aborda incluem a integração da ação e da contemplação, a construção de comunidades, questões de paz e justiça, espiritualidade masculina, ecoespiritualidade e o Cristo cósmico. Aqui, conversamos com Rohr sobre esse último assunto, sobre como Jesus se encaixa na nova história do universo.

A reportagem é de Rich Heffern, publicada no sítio National Catholic Reporter, 11-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Na Missa de Vésperas do Natal na minha paróquia, todos os anos, eu ouço a proclamação da genealogia de Jesus, a figura central do cristianismo, afirmando que toda a criação só tem alguns milhares de anos. Eu estremeço quando eu ouço isso, por causa da atualização que tivemos com a história cosmológica que a ciência vem nos contando desde os últimos cem anos. É Natal, e eu quero Jesus junto com a atualização. Como Jesus se encaixa nessa nova história da ciência que nos diz que o universo têm 14 ou 15 bilhões de anos, e a nossa Terra, pelo menos, cinco bilhões de anos?

Grande parte do cristianismo fez de Jesus Cristo uma figura salvadora denominacional, enquanto uma outra parte olhou para sua graça salvífica como algo limitado a uns poucos que possuíam qualificações estritas. Mas e a criação como um todo? Até onde para trás e para frente no tempo a figura de Cristo se estende, e quem exatamente é Cristo?

A escritura cristã, de fato, nos dá o lugar de Jesus nessa história contada em bilhões de anos se procurarmos por isso – no prólogo do Evangelho de João, por exemplo, ou nos hinos paulinos das cartas aos Colossenses e aos Efésios, ou na abertura da Primeira Carta de João. Todos falam do Cristo que existe desde toda a eternidade. Nós apenas não vemos essas referências. Elas nunca foram reveladas para a maioria dos cristãos, e nós não temos teologia para saber como vê-las.

Cristo não é o sobrenome de Jesus. O livro dos Atos diz que Deus ergueu Jesus e ungiu-o como o Cristo. Nossa nova consciência da vastidão e da história inimaginavelmente antiga do cosmos está nos obrigando a re-escutar esses textos da escritura. São boas notícias muito estimulantes. O Jesus que temos agora, o Jesus em que participamos, pelo qual somos agraciados, pelo qual somos redimidos, é o Cristo ressuscitado, o Cristo eterno. A palavra "Cristo" significa "o ungido", e essa unção de Deus inclui a nós e toda a criação.

Os Evangelhos são sobre o Jesus histórico. Paulo, porém, cujos escritos somam um terço do Novo Testamento, nunca fala sobre esse Jesus. Ele está falando sobre o Cristo. Jesus é o microcosmo; Cristo é o macrocosmo. Há um movimento entre os dois que nós mesmos temos que imitar na nossa vida e caminhada, a jornada da ressurreição.

O cristianismo ocidental desconectou completamente Jesus da Trindade. O Jesus histórico se tornou o novo Deus monoteísta – Deus Pai, para todos os propósitos práticos. Uma vez que não temos mais uma visão trinitária, não temos mais uma visão dinâmica de Deus. Quando enfatizamos Jesus aparte do Pai e do Espírito Santo, então a criação é só uma ideia secundária ou um pano de fundo para um drama de salvação limitado, "um plano de evacuação para o próximo mundo", na frase de Brian McLaren. Ficamos preocupados com essas últimas três horas da vida de Jesus, quando temos o sacrifício de sangue que salva a nós, humanos, quando temos o nosso tíquete para o céu marcado. Os protestantes são muito piores do que nós nisso, para ser honesto.

A verdadeira melhor carta do cristianismo não é apenas que nós acreditamos em Deus. O mistério sobre nós é muito mais do que isso: é que o material e o espiritual coexistem. É o mistério da Encarnação.

Uma vez que restauremos a ideia de que a Encarnação significa que Deus verdadeiramente ama a criação, então restauraremos a dimensão sagrada da natureza. Traremos as plantas e os animais e toda a natureza conosco. Eles são janelas para a criatividade, a fecundidade e a alegria sem fim de Deus. Afirmamos que acreditamos no alcance da história, da humanidade e de toda a criação que Cristo inclui.

A Encarnação já é redenção. Belém foi mais importante do que o Calvário. É bom ser humano. A Terra é boa. Deus revelou que Deus sempre esteve aqui.

É uma atitude franciscana, e de fato foi a teologia de figuras franciscanas chaves como Duns Scotus e São Boaventura. Ela se tornará crescentemente a espiritualidade principal assim que nos tornemos mais confortáveis com uma visão expandida do mistério da Encarnação no cosmos. Se nós, cristãos, tivéssemos levado esse mistério a sério, nunca teríamos abusado do planeta como fizemos, nunca teríamos desenvolvido uma teologia inadequada sobre a sexualidade como a que temos.

O que a Ressurreição significa nessa visão mais cósmica?

A Ressurreição se encaixa nessa mudança de ponto de vista, maravilhosa e necessariamente. Jesus morreu, Cristo ressurgiu. Isso é precisamente o que a transformação é – a consciência de Cristo desatada de um lugar e tempo específicos.

Quando eu estudava teologia sistemática, na década de 60, meu professor disse desta forma: se uma câmera de vídeo tivesse estado presente no momento da ressurreição de Jesus, não veríamos um corpo saindo do túmulo, mas provavelmente um grande facho de luz enquanto aquele corpo humano limitado que continha Jesus se tornava identificado com algo além do espaço e do tempo. É uma forma de compreender a Ressurreição. Esse é o porquê de eu e você termos acesso a Cristo. É o porquê de Jesus poder dizer que ele está conosco até o fim dos tempos e disponível em todo o lugar. Você pode ver as histórias sobre a Ressurreição do Novo Testamento dizendo exatamente isso. O anjo perguntou: "Por que vocês estão olhando para os céus em busca dele?".

O início da carta de João nos diz que, em Jesus Cristo, o que existiu desde o começo pode ser agora apalpado, tocado, conhecido, visto e contemplado. Nós, humanos, não podemos nos apaixonar por um conceito, por algo que é apenas energia pura. O dom da Encarnação é que nós temos alguém agora que podemos ver, tocar e amar.

Também, até vermos Jesus, não podíamos imaginar como Deus era. Chegamos a Deus indutivamente. Comece com Jesus, e então saberemos como é o coração de Deus. Então poderemos voltar até o Cristo cósmico que existe desde o começo. Então, viveremos em um universo coerente onde não há divisão entre o natural e o sobrenatural. Essa é a mensagem única do cristianismo, que não há nada ao que Deus não esteja acessível.

"Desde o princípio" significa desde o tempo do Big Bang, de 14 bilhões a 15 bilhões de anos atrás. Duns Scotus disse que a primeira ideia na mente de Deus foi o Cristo, e o que o Cristo significa é a confluência da divindade e da fisicidade, do espírito e da matéria. Quando os mundos material e espiritual coexistem, temos Cristo. Os ícones medievais sempre representaram Jesus Cristo com dois dedos levantados, proclamando de fato: "Eu sou totalmente humano e totalmente o filho de Deus ao mesmo tempo e eu sustento esses dois juntos. Minha divindade não pode cancelar minha humanidade".

O Vaticano, no mês passado, recebeu um encontro dos cientistas do mundo para discutir a possibilidade de vida em outros lugares do universo e as implicações disso para a teologia cristã. Quando você pensa sobre como a nossa ideia de Jesus se encaixaria em um universo possivelmente abundante de vida, surge uma imagem de Jesus caminhando com dificuldade ao longo dos anos-luz carregando uma cruz.

Se não tivermos uma teologia mais desenvolvida da natureza cósmica de Cristo, então, se descobrirmos que a vida extraterrestre existe – e há uma grande chance de que exista –, estaremos em grandes problemas.

Se Jesus se torna mais o Cristo, ele também se torna mais distante de nós?

Exatamente o oposto: tudo o que acontece com Jesus deve acontecer em nossas almas individuais também. A Encarnação significa a força divina interior não está lá fora, além. Ela existe dentro de nós. Esse movimento de Jesus para o Cristo significa que a mesma unção que foi dada a Jesus é dada a todos nós. É por isso que ele não disse: "Louvem-me". Ele disse: "Sigam-me". Nós projetamos mais coisas sobre Jesus do que ele jamais pediu.

Jesus também não se move de Jesus para o Cristo sem morte e ressurreição. E nós mesmos não nos movemos de nosso corpo independente e histórico à consciência do Cristo sem morrer ao nosso falso "eu". Nós, como o próprio Jesus, temos que deixar quem nós pensamos que somos e quem nós pensamos que precisamos ser irem embora. Nós temos que nos tornar o "eu" nu diante do Deus nu. Isso sempre será como morrer. Nós precisamos saber, experiencialmente, que esse "eu" nu e sem decoração é já e para sempre o filho amado de Deus. A vida de Jesus também é nossa vida.

Carl Jung chamou Cristo de o arquétipo da alma. Jesus veio de Deus, foi iniciado no batismo, passou por um crescimento normal, então desenvolveu um ministério, foi rejeitado, sofreu, morreu e ascendeu – voltou para o lugar de onde veio. Todos nós passamos por essa jornada de transformação, que nos leva de volta para onde começamos, mas com uma consciência mais livre.

Nós transformamos o cristianismo nesse plano de evacuação para o próximo mundo. O termo "Cristo cósmico" nos lembra que tudo e todos pertencem a ele. Somos todos indignos, mas o mistério da Encarnação significa que a força divina interior está em todos nós. De fato, somos o corpo de Cristo. A esperança de Deus para a humanidade é que, um dia, todos iremos reconhecer que o lugar da morada divina é toda a criação. Cristo vem de novo sempre que vemos que a matéria e o espírito coexistem. Isso verdadeiramente merece ser chamado de boa nova.

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=28509 acesso em 19 dez. 2009.

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