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quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Igreja corre o risco de se tornar uma subcultura

Arcebispo de Poitiers, Dom Albert Rouet é uma das figuras mais livres do episcopado francês. A sua obra "J'aimerais vous dire" (Ed. Bayard, 2009) é um best-seller na sua categoria. Mais de 30 mil cópias vendidas e vencedor do prêmio de 2010 dos leitores da livraria La Procure, esse livro-entrevista oferece um olhar muito crítico sobre a Igreja Católica.

Por ocasião da Páscoa, Dom Rouet oferece suas próprias reflexões sobre a atualidade e o seu diagnóstico sobre a Igreja.

A reportagem é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 04-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.
A Igreja Católica foi sacudida durante muitos meses por causa da revelação de escândalos de pedofilia em diversos países europeus. Tudo isso lhe surpreende?

Gostaria sobretudo de indicar uma coisa: para que haja pedofilia, são necessárias duas condições: uma profunda perversão e um poder. Isso quer dizer que todo sistema fechado, idealizado, sacralizado é um perigo. Quando uma instituição, incluindo a Igreja, se levanta em posição de direito privado, se considera em posição de força, os desvios financeiros e sexuais se tornam possíveis. É o que a atual crise revela, e tudo isso nos obriga a voltar ao Evangelho. A fraqueza do Cristo é constitutiva do modo de ser Igreja. Na França, a Igreja não tem mais esse tipo de poder. Isso explica por que estamos diante de desvios individuais, graves e detestáveis, mas não se encontra uma sistematização desses casos.

Essas revelações surgem depois de várias crises que marcaram o pontificado de Bento XVI. Quem está maltratando a Igreja?

Há algum tempo, a Igreja é flagelada por tempestades, externas e internas. Há um Papa que é mais teórico do que historiador. Ele continuou sendo o professor que pensa que um problema, uma vez bem colocado, está metade resolvido. Mas na vida não acontece isso. Confrontamo-nos com a complexidade, a resistência da realidade. Pode-se ver isso nas nossas dioceses. Faz-se o que se pode!

A Igreja sofre para se situar no mundo tumultuado no qual se encontra hoje. Esse é o coração do problema. Além disso, duas coisas me atingem com relação à situação atual da Igreja. Hoje, constata-se um certo congelamento da palavra. Agora, a mínima interrogação sobre a exegese ou sobre a moral é julgada como blasfema. Interrogar-se não é mais considerado uma coisa óbvia, é um pecado. Paralelamente, reina na Igreja um clima de suspeita nociva. A instituição se vê enfrentando um centralismo romano que se baseia em uma rede de denúncias. Certos grupos passam o seu tempo denunciando as posições deste ou daquele bispo, fazendo dossiês contra qualquer um, guardando informações contra algum outro. E esses comportamentos se intensificaram com a Internet.

Além disso, noto uma evolução da Igreja paralela à da sociedade. Esta quer mais segurança, mais leis. Aquela, mais identidade, mais decretos, mais regulamentos. Protegemo-nos, fechamo-nos, esse é justamente o sinal de um mundo fechado, é catastrófico! Em geral, a Igreja é um espelho fiel da sociedade. Mas hoje, na Igreja, as pressões identitárias são particularmente fortes. Há toda uma corrente que reflete pouco que assumiu uma identidade reivindicatória. Depois da publicação de algumas caricaturas na imprensa com relação à pedofilia na Igreja, houve reações dignas dos integralistas islâmicos sobre as caricaturas de Maomé! Querendo parecer ofensivos, nos desqualificamos.

O presidente da Conferência Episcopal Francesa, Dom André Vingt-Trois, repetiu em Lourdes no dia 26 de março: a Igreja francesa está marcada pela crise das vocações, pela dificuldade da transmissão da fé, pela diluição da presença cristã na sociedade. Como o senhor vive essa situação?

Busco reconhecer que nos encontramos no fim de uma época. Passou-se de um cristianismo de costume a um cristianismo de convicção. O cristianismo perdurou graças ao fato de ter se reservado o monopólio da gestão do sagrado e das celebrações. Diante das novas religiões, da secularização, as pessoas não fazem mais referência a esse sagrado. Porém, podemos dizer que a borboleta é "mais" ou "menos" do que a crisálida? É uma outra coisa.

Então, não penso em termos de degeneração ou de abandono: estamos mudando. É preciso medir a amplitude dessa mutação. Tome-se a minha diocese: há 70 anos, contava com 800 padres. Hoje, tem 200, mas conta também com 45 diáconos e 10 mil pessoas comprometidas nas 320 comunidades locais que criamos há 15 anos. É melhor. É preciso deter a pastoral da SNCF [ferrovias do Estado francês]. É preciso fechar linhas e abrir outras. Quando nos adaptamos às pessoas, ao seu modo de viver, aos seus horários, a frequência aumenta, também na catequese! A Igreja tem essa capacidade de adaptação.

De que modo?

Não temos mais pessoal para manter uma subdivisão de 36 mil paróquias. Ou se considera que se trata de uma miséria da qual é preciso sair a todo custo e então se volta a sacralizar o padre, ou então se inventa alguma coisa diferente. A pobreza da Igreja constitui uma provocação para abrir novas portas. A Igreja deve se apoiar no clero ou nos batizados? A meu ver, penso que é preciso dar confiança aos leigos e deixar de funcionar com base em uma organização medieval. É uma mudança fundamental. É um desafio.

O desafio pressupõe a abertura do sacerdócio aos homens casados?

Sim e não! Não, porque imagine que amanhã eu possa ordenar dez homens casados, eu os conheço, não é esse o problema. Mas não poderei pagá-los. Portanto, teriam que desenvolver um outro trabalho e estariam disponíveis só nos finais de semana para os sacramentos. Então, se voltaria a uma imagem cultual do padre. Seria uma falsa modernidade. Pelo contrário, se se muda o modo de exercer o ministério, se a sua posição na comunidade é diferente, então sim pode-se imaginar a ordenação de homens casados. O padre não deve mais ser o chefe da sua paróquia. Deve sustentar os batizados para que se tornem adultos na fé, formá-los, impedir que se curvem sobre si mesmos. Cabe a ele lembrar que somos cristãos para os outros, não para si mesmos. Então, ele presidirá a eucaristia como um gesto de fraternidade. Se os leigos continuarem menores de idade, a Igreja não será confiável. Deve falar de adulto para adulto.

O senhor considera que a palavra da Igreja não está adaptada ao mundo. Por quê?

Com a secularização, desenvolve-se uma "bolha espiritual" na qual as palavras flutuam, começando pela palavra "espiritual", que pode se referir mais ou menos a qualquer mercadoria. Portanto, é importante dar aos cristãos os meios para identificar e para expressar os elementos da sua fé. Não se trata de repetir uma doutrina oficial, mas de permitir que eles expressem livremente a sua adesão. Muitas vezes, é o nosso modo de falar que não funciona. É preciso descer da montanha, descer à planície, humildemente. Para fazer isso, é preciso um enorme trabalho de formação. Porque a fé havia se tornado uma coisa da qual não se falava entre os cristãos.

Qual é a sua maior preocupação pela Igreja?

O perigo é real. A ameaça para a Igreja é de se tornar uma subcultura. A minha geração estava ligada particularmente à inculturação, à imersão na sociedade. Hoje, o risco é de que os cristãos se fechem entre si, simplesmente porque têm a impressão de estar diante de um mundo de incompreensão. Mas não é acusando a sociedade de todos os males que nos tornamos luz para a humanidade. Pelo contrário, é preciso uma imensa misericórdia por este mundo em que milhões de pessoas morrem de fome. Cabe a nós abrir-nos ao mundo e cabe a nós tornar-nos amáveis.

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=31240 acesso em 8 abr. 2010.

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