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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água

Durante os anos 2005 e 2007, o franciscano Dom Luis Cappio protestou, no Brasil, com uma greve da fome, contra o grande projeto do desvio fluvial do Rio São Francisco, projeto muito questionado por ambientalistas e peritos. O lucro dos dois canais, planejados com 720 quilômetros de comprimento, seria destinado às grandes empresas de construção civil, às empresas de irrigação, às fundições de aço, às empresas de criação de camarão e à agro-indústria orientada para a exportação; para os pequenos agricultores, os indígenas e para o meio-ambiente ao longo do rio, seria uma catástrofe, segundo dizem os críticos. O projeto já se encontra em construção. Venceram os interesses dos grandes - contra o direito de vida dos pequenos.

Mal o projeto saiu de foco, sucede-lhe outra obra faraônica: a barragem de Belo Monte, no Pará. A barragem planejada teria um comprimento de 500 quilômetros através de terrenos reservados aos índios. Milhares de pessoas perderiam as suas terras, e ainda mais animais morreriam. Mesmo assim, o governo brasileiro leva adiante a construção de tão repudiada barragem. O bispo do Xingu (PA), oriundo da Áustria e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Dom Erwin Kräutler, é um dos mais fortes críticos do projeto. Além da Igreja e de instituições nacionais, também há movimentos internacionais que estão contra a construção de Belo Monte. “A Amazônia constitui uma grande responsabilidade para o Brasil, mas também tem as suas repercussões além das fronteiras brasileiras. Por isso, as manifestações de solidariedade da comunidade internacional são importantes”, disse Dom Erwin.

Os índios preparam-se para a guerra contra o projeto. Assim parece tornar-se verdade o que os peritos já previam há bastante tempo: que a causa das futuras guerras já não será o petróleo, mas sim, a água. Pelo menos, a nível local. A água é um dos mais importantes elementos da vida no seu todo. E a água é, ao mesmo tempo, uma base não menos importante para as grandes empresas. As mesmas tencionam assegurar o patrimônio da natureza através da privatização das reservas da água, tirando assim o lucro – através de água para mineração em regiões com grandes reservas do lençol freático, através da exploração indiscriminada dos rios deste mundo; através da exploração dos sistemas de água estaduais e municipais. A água é, assim, parte dos custos de vida, que os ricos podem pagar, mas que conduzem os pobres cada vez mais à miséria.

A situação é a seguinte: As reservas de água doce do mundo já não são suficientes. Já agora há aproximadamente quatro mil milhões de pessoas que têm dificuldades em abastecer-se com água potável. Isto tem a ver com uma distribuição injusta. Enquanto que, no Norte rico, há água em abundância e é desperdiçada, os anos de seca aumentam em muitas regiões do mundo. Dois terços da superfície de terra da África são regiões secas e ecologicamente em risco ou desertos. Aumenta cada vez mais a área dos solos em risco, devido ao aproveitamento abusivo do solo, à adubação química, ao desmatamento e irrigação defici-ente. Assim, torna-se cada vez mais difícil o abastecimento com alimentos básicos. O pro-blema do abastecimento e da distribui-ção de água em regiões com falta de água, como p.ex. no Oriente Médio, transformou-se, já num problema politicamente explosivo. Os estados podem, roubar a água uns dos outros, pondo em sério risco a paz já tão frágil. O problema do abastecimento de água potável tornar-se-á um dos maiores desafios do século 21.

Haverá solução? Só se mudarmos radicalmente de opinião. A água é uma dádiva de Deus e não deve ser privatizada para fins de lucro. Isto deveria ser determinado para todo o mundo. A Criação é tão generosamente organizada – que se só compartilhássemos em vez de poluir, todos poderiam ter fartura. “Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água, que é mui útil e humilde e preciosa e casta.”(Cântico do Irmão Sol) Todo o Cântico do Irmão Sol está cheio da compreensão grata de que tudo isso não é natural. S. Francisco, já no leito da morte, conservou o olhar admirado da criança. Sua vida continua falando ao mundo que a Criação de Deus for um banquete de vida em abundância se a conservarmos e cuidarmos, em lugar de a explorar e destruir. Talvez sejam necessários períodos de seca e de desertificação para percebermos isso. Talvez sejam necessárias a sede e a fome para apreciarmos de novo o elemento vital que é a água. A utilização cuidadosa da mesma já não é suficiente. Para que a água continue sendo acessível e suficiente para todos, devemos interferir decidida e audaciosamente nos processos políticos e econômicos,como o fazem Dom Luis Cappio e Dom Erwin Kräutler, pondo em risco as suas próprias vidas.


Andréas Müller OFM
Extraído de Boletim CCMFC. Jun. 2010. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/cbcmf-news/2010/2010_06_News.shtml acesso em 17 jun.2010.
Ilustração: A w:drop of water on a leaf / tanakawho. 2006. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Water_drop_on_a_leaf.jpg acesso em 17 jun. 2010.

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