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terça-feira, 6 de julho de 2010

O que é preciso mudar na Igreja

Uma enorme reforma na Igreja se faz necessária. “Com maior participação dos leigos e também das mulheres”: esta afirmação do abade superior dos Beneditinos, Notker Wolf (no jornal Il Sole-24 Ore de 9 de maio de 2010) foi alvo de muitos desejos, apelos, de análises que se manifestaram na crise da pedofilia do clero na primavera de 2010.

A análise é do jornalista e vaticanista italiano Giancarlo Zizola, publicada na revista italiana Rocca, nº 13, 01-06-2010. A tradução é de Alessandra Gusatto.
De maneira mais urgente e dramática que no passado, o clamor por uma reforma mais profunda na Igreja aumentou com a queda do sistema que veio a tona violentamente revelando de maneira nua e crua que a causa das perversões sexuais, como também àquelas políticas e econômicas na estrutura eclesiástica, eram devidas em grande parte a inadimplência institucional do modelo eclesiástico estabelecido no Concílio, no sentido de Ingreja – comunhão e da Igreja dos pobres.

Sem pensar traçar um balanço das mudanças não superficiais inspiradas no Vaticano II, é fácil notar que a nossa sociedade mudou radicalmente no meio tempo e que os católicos começam a ter a difícil experiência de uma minoria. Eles não são mais os organizadores simbólicos e éticos da cidade. Como nos séculos iniciais, os cristãos estão “entre os outros” em uma sociedade secularizada. A descoberta de algumas catástrofes pauteio o declínio. Outros preferem ver na crise uma formidável forma de recuperação espiritual.

O projeto de Igreja acolhedora

Neste contexto é interessante compreender os sinais que se multiplicam de um cristianismo que não teme se mostrar contra-cultura, fermento crítico a respeito dos poderes dominantes, especialmente quando estão em jogo os direitos humanos fundamentais de quem seja. Não obstante tudo isso, é inegável que, de qualquer forma, talvez não de todo satisfatória para alguns impacientes, o projeto de Igreja acolhedora se torna cada vez mais presente, mesmo se não parece até agora ter conseguido acabar de maneira irreversível com o regime de cristandade estabelecido, organizado em torno do pretexto de uma Igreja em forma de societas perfecta, inevitavelmente exclusiva.

De fato, seria difícil retornar ao estatuto da Ecclesia pauperum, práticas de intrusão hierárquica nos assuntos de Estado, de busca de privilégios temporais (sempre diferenciados), de união com o mundo dos negócios, etc. Mais amplamente, as questões abordam a relação de acolhida recíproca da Igreja e do mundo, se for mantido o paradigma do Concílio de discernimento dos “semina Verbi”, ativos na história humana e o empenho da Igreja em sentir-se “realmente intimamente solidária com o gênero humano”, particularmente a estimar com o devido discernimento as culturas de emancipação. As referências a linha do Concílio são às vezes tão ambivalentes, valendo perguntar-se se ainda é válido e em que medida o é o manifesto da Igreja acolhedora que sai finalmente da fortaleza para anunciar: “As alegrias e esperanças, os lutos e as angústias dos homens hoje, dos pobres, sobretudo e de todos os aflitos, são também as alegrias e as esperanças, os lutos e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada que seja verdadeiramente humano não chega aos seus corações” (Gaudium et Spes, 1).

Não somente a consciência dos fiéis questionam a Igreja, mas também as expectativas de uma sociedade no cume da potência técnica e científica, mas sem ideais. Jürgen Habermas falou de uma idade “do agir comunicativo” e não são raras as vozes de intelectuais independentes que evitam a Igreja colhendo exatamente nas gigantescas transformações presentes a oportunidade de acender a luz ao entusiasmo de origem, e assim examinar o grau de sua íntima continuidade com as fontes da tradição.

A Igreja piramidal é inadequada


A revolução do saber em rede e dos processos de interdependência global recaem sobre a modalidade de construção de identidade em geral, e os mundos religiosos não estão a altura de tantas barreiras a transpor. Um dado inclemente que a identidade não seja mais dada ou adquirida através da adesão a um grupo social, a uma organização política ou a participação sindical. Mas tende sim a definir-se mediante um processo de interação intensiva com os outros. Neste contexto, não é impossível que, gradualmente se leve em consideração que a aceitação em rede de “comunidades cristãs” possa prevalecer sobre a organização piramidal da Igreja em paróquias e dioceses, se tornando inapta ao contexto relacional global ("La mondialisation du religieux. Entretien avec Jean-Claude Guille baud", Etudes, novembro 2008, n° 4095, p.478).

Esta transformação antropológica revela faces singularmente afins aos critérios de “koinonia” e de “kenosis” já conhecidos pela tradição cristã. Não seria imaginável, de fato, uma Igreja forjada sobre o modelo apostólico da codivisão e da abertura a rica pluralidade e diversidade de carismas, de ministérios e das culturas, sem uma disponibilidade para o esvaziamento de si, dos próprios procedimentos e do desejo de impor um modelo único de ligação. Neste cenário emerge a conveniência, senão a necessidade de uma Igreja que queria fazer-se acolhedora de uma agenda de mudanças também radicais. Seria curioso se a Igreja não fosse capaz de acolher a pluralidade de formas espirituais, teológicas, litúrgicas, ecumênicas ao seu interno depois que Bento XVI, na encíclica Caritas in veritate (2009) ensinou que “a unidade da família humana não anula em si as pessoas, os povos e as culturas, mas as torna mais transparentes uma as outras, unidas principalmente nas suas diversidades legítimas” (nº 53).

Entre ortodoxia e diversidade


No âmbito das relações ecumênicas, parece ter acabado a fase de busca de convergência entre as Igrejas e as comunidades separadas em pontos considerados “fundamentais”. Provavelmente esta plataforma metodológica deu tudo aquilo que podia dar. Agora aumenta a convicção que diz que a diversidade da Igreja de Cristo deveria entrar inteiramente na definição de uma única Igreja de Deus. Se trataria de articular ortodoxia e diversidade. Notável neste caso é a proposta de Thierry Wanegffelen: “Seria conveniente que não víssemos no outro um irmão separado em direção ao qual deveríamos andar metade do caminho, mas um irmão que soube viver de acordo consigo mesmo e com a própria história de plenitude da fé cristã. Obviamente não existe mais do que um cristianismo. Mas as cristandades são numerosas. E a sua diversidade é uma riqueza e não um empobrecimento” (T. Wanegffelen, "Le christianisme des Autres", Etudes, novembro 1997, p.511).

Na agenda das mudanças


A lista de mudanças sugeridas para transformar a Igreja em um espaço acolhedor seria muito longa para ser abordada completamente aqui. Citaremos unicamente e de modo propositalmente genérico alguns dos interventos mais pedidos pelas comunidades cristãs. A primeira mudança diz respeito a política centralista que inchou enormemente o aparato da cúria romana. Trata-se de restituir a confiança e funções a Igrejas locais e as conferências episcopais, segundo o aclamado princípio da subsidiariedade. Medidas do gênero colocariam a disposição do conjunto uma infinidade de recursos e uma variedade de carismas. Emerge o pedido para por em vigor novamente o governo colegial da Igreja. A reforma do exercício do primado petrino, na sua forma de monarquia absoluta, já recomendada pelo Papa Wojtyla na encíclica Ut unum sint (1995).

Permaneceu uma carta morta, mas é claro que, no estado atual, a solicitude institucional do pontífice romano a respeito das Igrejas coloca em risco o carisma petrino de retornar ao controle do aparelho administrativo, o qual “chamou para si as tarefas pertinentes ao colégio de bispos ligado ao Papa, assumindo de fato todas as tarefas de um colégio de bispos” (F. Koenig, E Koenig, "Unità e pluralità della Chiesa di Dio alle soglie del terzo millennio", Il Regno - Documenti, 1999, p.285-288).

E mais, o próprio João Paulo II recomendou em vários documentos oficiais seguir concretamente o príncipio conciliar da Igreja como comunhão, para dar forma a necessária multiplicidade como estrutura de unidade católica. Também falou do Testamento, ligando este mandato ao Sucessor: entre as várias medidas a serem tomadas, nesta direção, incluidas revitalizações das funções ministeriais dos leigos, homens e mulheres, e a sua participação, também em papéis deliberativos, aos organismos eclesiasticos. Na perspectiva de uma Igreja acolhedora entram em vigor escutar e respeitar o outro, a noção de considerá-lo suficientemente maduro em sua fé para criar uma expressão autêntica do cristianismo, conforme a sua cultura e a sua mentalidade. Uma Igreja não seria evidentemente acolhedora se não aceitasse no seu seio desconsenso e dúvida responsável como passos preciosos em um percurso de fé, sem calúnias ou deslegitimações. Não se trata mais do que reforçar as garantias de liberdade de pensamento e de opinião, dos direitos civis, do respeito as pessoas, principalmente mulheres, na Igreja.

Enfim, entre as aspirações e os clamores mais urgentes, aparece a exigência de uma abstenção da hierarquia eclesiastica em relação ao desejo de entrar nos negócios políticos dos Estados e a recomendação do clero de concentrar os seus esforços pastorais na educação das autonomias responsáveis dos cristãos, tanto no que diz respeito a sexualidade, quanto na política.

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34031 acesso em 6 jul. 2010.

Foto: Notker Wolf, head of the order of Saint Benedict, playing a concert with his band Feedback / Opodeldok. [2006]. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Notker_Wolf.jpg acesso em 6 jul. 2010.

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