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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Redescobrir o espírito do Concílio

Publicamos aqui um diálogo entre o cardeal italiano Carlo Maria Martini e um leitor do jornal Corriere della Sera, 21-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a pergunta.

Discute-se muito sobre como interpretar o Concílio Vaticano II. Continuidade ou descontinuidade com a tradição? Considero que se trata de uma polêmica estéril. Não lhe parece que a verdadeira chave de leitura do Concílio Vaticano II, quase 50 anos, consiste em reler a experiência cristã à luz das suas origens contidas no Novo Testamento?

Antonio Meli, de Messina
É verdade! A quase 50 anos da celebração do Concílio Vaticano II, ainda se discute sobre a sua interpretação. Eu estou de acordo com o senhor que se trata, pelo menos em parte, de uma polêmica estéril, mas também um pouco inevitável. Lembro-me bem daqueles dias, porque, mesmo não sendo membro do Concílio, vivia em Roma no Pontifício Instituto Bíblico, onde ressoavam de vários modos os ecos levantados pelas discussões dos bispos. Temia-se que o Concílio promoveria algumas interpretações literais ou simbólicas da Escritura que sistematicamente rejeitavam toda espécie de leitura histórico-crítica.

Alguns defendiam até que os métodos críticos levavam à perda da fé. De fato, muitos exegetas defendiam, ao contrário, uma interpretação dos textos que nutrisse a fé, mas que estivesse também atenta aos estudos histórico-críticos. Foi grande, assim, a sua alegria, quando, depois de longas e acesas discussões, foi aprovada a Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação. Mas para muitos havia um motivo de alegria ainda maior. Os documentos aprovados pelos Padres Conciliares demonstravam em seu conjunto a vontade da Igreja de entrar em contato com todos os homens de boa vontade e de colocar-se em atitude de respeitosa escuta das vozes e dos desejos de todos.

Naturalmente, não é nesse entusiasmo que encontramos o espírito do Concílio. Até porque, naquele período, em uma atmosfera de entusiasmo e também com uma certa ingenuidade, circulavam tantos projetos para o futuro da Igreja. O que, portanto, pertence ou não ao espírito do Concílio? É oportuna a distinção entre continuidade e descontinuidade da tradição. Os defensores de uma interpretação rígida, que olham com suspeita para toda novidade, não têm presente que possa haver novidades na Igreja.

Ela é um organismo vivo, que nasce pequeno mas que, no tempo, se desenvolve como um corpo humano que cresce de tal forma que aparece como algo novo. Essa visão da história da Igreja foi defendida desde o século V por São Vicente de Lérins. Ele afirmava que, na Igreja, certamente haverá, ao longo dos anos, progressos também muito vistosos. Não devemos nos assustar com eles. Só quando um organismo se transforma em um outro é que será preciso falar de mudanças e rejeitá-las com força.

Como escrevia São Vicente de Lérins: "É necessário, portanto, que, com o progredir do tempo, cresçam e progridam o máximo possível a compreensão, a ciência e a sapiência, tanto nos indivíduos como em todos, tanto de um só quanto de toda a Igreja".

A sugestão do leitor que fala de "reler a experiência cristã à luz das suas origens contidas no Novo Testamento" parece-me conforme com o que dissemos ao falar de quais novidades a Igreja pode exprimir ao longo dos séculos.

Para ler mais:
Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37945 acesso em 02 nov. 2010.

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