Arquivo do blog

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Quando o óleo usado vira prêmio

Entrevista especial com Feliciane Brehm

Essas mulheres começaram a fazer sabão, detergente e amaciante a partir de óleo de cozinha com o acompanhamento da Cáritas, e, então, o projeto Tecnosociais entrou nesse processo para que elas pudessem expandir sua produção e mercado”, conta a professora.

Quando os professores da Engenharia da Unisinos se envolveram com as mulheres do grupo Mundo Mais Limpo, não imaginavam que ali se criaria uma relação diferente. Eles chegaram com o ensino da parte técnica para que o trabalho com reciclagem do óleo de cozinha usado fosse aperfeiçoado e, então, mais alunos e professores de outros cursos foram se envolvendo e construindo uma relação onde todos aprendem. “Imagine um aluno da engenharia, de uma área 'dura', que está sempre preparado para o chão de fábrica. Quando ele vai trabalhar com um grupo que tem uma necessidade social muito grande, é diferente. Isto porque às vezes você chega pronto para fazer sabonete, mas naquele dia aconteceu alguma coisa no lugar onde elas moram, com a família delas, e será preciso primeiro escutá-las, para depois conseguir trabalhar no produto”. Essa é a descrição da professora Feliciane Brehm durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Foi com essa nova visão que o projeto se expandiu e, então, recebeu o prêmio de 40 mil reais do 12º Banco Real Universidade Solidária para executar o projeto.

Feliciane Brehm é graduada em Química e especialista em Química Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É doutora em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente, é professora no PPG em Engenharia Civil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como se configura o grupo Mundo mais Limpo?

Feliciane Bhrem – O grupo Mundo mais Limpo é composto por mulheres de comunidades próximas à Unisinos. Elas são donas de casa que têm família com baixíssima renda. Essas mulheres começaram a fazer sabão, detergente e amaciante a partir de óleo de cozinha com o acompanhamento da Cáritas, e, então, o projeto Tecnosociais entrou nesse processo para que elas pudessem expandir sua produção e mercado.

Aqui no grupo, temos uma engenheira de alimentos que coordena o projeto comigo e foi ela que teve o primeiro contato com essas mulheres para se fazer toda uma melhora nos produtos. Foi a partir dessa aproximação que pudemos perceber a necessidade que elas tinham. Então, inscrevemos o projeto no 12º Banco Real Universidade Solidária, e ganhamos. Assim, começamos a trabalhar efetivamente com elas e montamos um grupo de alunos de forma multidisciplinar para trabalhar com as mulheres.

Desta forma, passamos a aperfeiçoar a questão técnica, mas também passamos a dar maior atenção à parte social. Hoje nós trabalhamos com o pessoal da gestão ambiental, da engenharia ambiental, da engenharia de alimentos, do design, da engenharia mecânica, da engenharia de produção. Além disso, tem o pessoal da fisioterapia e agora ainda vamos agregar alunos do curso de psicologia.

Acredito ser importante salientar que é um projeto de cunho técnico com resultados sociais. Nós estamos dentro de um PPG de Engenharia Civil, trabalhando direto com saneamento básico e que as coisas foram acontecendo, agregando este caráter multidisciplinar, porque nós precisávamos de alunos de todas as áreas para atuar. Um outro resultado muito legal deste projeto é que o curso de fisioterapia da Unisinos fazia todas as suas atividades acadêmicas comunitárias em Sapucaia do Sul. Com este projeto eles estão se transferindo para São Leopoldo e passam a atender toda a comunidade do entorno. Estamos humanizando um processo técnico “duro”.

IHU On-Line – Qual a importância dessa aproximação da comunidade com a universidade?

Feliciane Bhrem – Têm os dois lados. As mulheres têm vindo bastante aqui na Unisinos e é interessante ver o quanto isso mexe com elas. Estamos montando um sistema de extração para extrair as ciências dos resíduos do Restaurante Universitário para colocar dentro dos sabonetes que fabricamos hoje. Então, elas vêm para o câmpus, vão para os laboratórios, vivem outros tipos de experiências. Infelizmente, o sistema que se utiliza no laboratório não é muito seguro para que elas trabalhem fora da universidade, então estamos desenvolvendo todo um processo para que elas consigam trabalhar também na sua sede. Aqui elas fazem reuniões, capacitações. Estar aqui proporciona também com que elas tenham uma vida diferente.

Nós também estamos aprendendo muito com elas. Imagine um aluno da engenharia, de uma área “dura”, que está sempre preparado para o chão de fábrica. Quando ele vai trabalhar com um grupo que tem uma necessidade social muito grande, é diferente. Isto porque às vezes você chega pronto para fazer sabonete, mas naquele dia aconteceu alguma coisa no lugar onde elas moram, com a família delas, e será preciso primeiro escutá-las, para depois conseguir trabalhar no produto.

Isso está fazendo com que todos que têm contato mais direto com as mulheres vivam uma experiência muito grande, pois dentro de uma fábrica não interessa o funcionário, ele vai trabalhar das oito até as seis da tarde para cumprir o horário dele e, nesse novo ambiente, é diferente. Então, estamos aprendendo a ter um pouco mais de jogo de cintura. Por isso, é importante para elas viver essa experiência dentro da universidade, mas também é muito importante para nós essa convivência com elas.

IHU On-Line – O trabalho vai se expandir? Mais mulheres vão participar?

Feliciane Bhrem – É uma condição ímpar para nós; é o nosso grande trabalho, porque atualmente nós temos seis mulheres no projeto. Isso é muito pouco. Queremos, a partir de agora, dessa nova realidade, chegar a 12 mulheres. Ao longo do processo, surgiu uma série de coisas que foi atrasando um pouco o jeito que elas têm de pensar. Mas precisamos aumentar esse número e expandir o processo porque agora todo o óleo da coleta seletiva de São Leopoldo vai para elas, pois a prefeitura é nossa parceira. Então, o número de litros de óleo que vai aumentar e, entre seis, elas não darão conta. Por isso, precisamos de mais gente.

IHU On-Line – De que forma esse projeto ajuda o meio ambiente?

Feliciane Bhrem – Essa é a grande jogada, porque, ao incentivar a coleta seletiva, o pessoal deixa de colocar o óleo de cozinha usado no esgoto, na pia ou em qualquer lugar. Além disso, antes da coleta seletiva não se tinha onde deixar esse óleo que acabava indo para o aterro sanitário. Então, com esse tipo de trabalho, evitamos a contaminação dos recursos hídricos, a contaminação de solo e a ocupação de espaço em aterros. E, claro, o óleo vira matéria prima, vira sabão. Geramos, portanto, um produto e, por consequência, economia e renda para essas mulheres. Nessa nova proposta da coleta seletiva todos os bares e restaurantes, toda a gastronomia de São Leopoldo, terá que destinar o óleo para a coleta seletiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Firefox