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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Viver de forma franciscana

J. B. Libanio
Setembro de 1999
                  
J. B. Libanio, S.J.
                   A festa de São Francisco toca-nos fundo no coração. Ele é o santo da ecologia e dos pobres. Duas lições para os dias de hoje. Num mundo voltado para o consumismo desvairado, Francisco de Assis ensina-nos a sobriedade. Podia viver na opulência, mas optou pela simplicidade.

                   Há uma felicidade no dinheiro, na riqueza, no consumo dos bens materiais? O Antigo Testamento não apresenta o rico como um abençoado de Deus? Ele não promete bens materiais em abundância a seu povo escolhido? Então, por que colocar restrições ao desejo de posse? Será que tanta gente que batalha a vida inteira para melhorar suas condições materiais está equivocada? Não parecemos, às vezes, a mãe daquele soldado que se vangloriava de que o seu filho era o único que marchava corretamente e todo o batalhão estava com o passo errado? Qual é a relação entre riqueza e felicidade?

                   A felicidade não é uma realidade absoluta, igual e objetiva, identificada com determinada coisa. Ela depende dos momentos, não só da vida de uma pessoa como do processo cultural. Portanto, a felicidade tem forte traço psico-individual e psico-social cultural. A criança sente-se feliz com muitas coisas que não dizem nada para um adulto. As pessoas em momentos da história vivenciaram a felicidade em realidades que já não nos satisfazem hoje. Além disso, uma mesma realidade assume expressões diferentes segundo a cultura.

                   A riqueza, como expressão de dignidade, de respeito, de generosidade, enchia o coração da nobreza. Hoje a riqueza é vista mais em função de seu poder aquisitivo material ou de influência social. Já não tem a mesma aura de dignidade que em tempos aristocráticos.

                   Com a evolução cultural e afetiva das pessoas, não sem influência dos conhecimentos psicológicos, sociológicos e teológicos, a riqueza perdeu muito de seu fascínio. Cada vez mais as pessoas valorizam as relações afetivas que nenhum dinheiro compra. Mais: a excessiva riqueza pode transformar-se em fonte de terrível frustração. Os ricos são procurados, não pelo seu valor pessoal, mas pelo que eles têm. Fica-lhes o amargor de não serem amados por eles mesmos. Temem os interesseiros, os bajuladores, os amigos de ocasião. Desconfiam de quem se aproxima. Sofrem da terrível solidão de quem não alimenta amizades gratuitas.

                   À medida que as pessoas vão crescendo espiritualmente, apreciam cada vez mais as alegrias menores da vida e percebem que o ter não acrescenta nada ao ser. O sorriso cheio de carinho de uma criança vale mais que os ganhos nas bolsas de valor. A riqueza exige muito tempo, desgaste de energia, preocupações para conservá-la, aumentá-la. E para o coração sobram pouco tempo e escassa energia.

                   Por ocasião da nababesca festa de aniversário da Sasha, o psiquiatra Christian Gauderer observava que tais extravagâncias não fazem a felicidade das crianças. O excesso  de luxo e fantasia pode criar um adolescente dependente e deprimido. Diz também que atende adolescentes que tiveram na infância todos os luxos e hoje  estão deprimidos e revoltados  com os pais.

                   Se dinheiro fizesse a felicidade, os adolescentes ricos deveriam ser sadios e alegres. E ei-los presos a suas depressões. Muitos se entregam ao alcoolismo e às drogas. O ser humano é carente de afeto. Ingrediente absolutamente necessário para a felicidade que nenhuma riqueza supre.

                   Os bens materiais estão aí para traduzirem amor, mediarem relações pessoais, criarem situações afetivas e lúdicas gostosas. Toda vez que as impedem, tornam-se fonte de infelicidade, tristeza e morte. Os homens da Bíblia falavam da riqueza de maneira positiva somente porque a experimentavam como sinal da bondade de Deus e porque ela lhes permitia ser pessoas de bem. Jesus avança essa reflexão e inverte o sinal. Para ele, a felicidade reside na simplicidade, na sobriedade, na liberdade interior diante dos bens materiais. Nesse sentido, a figura de Francisco de Assis torna-se para nós uma das expressões mais acabadas do espírito das bem-aventuranças.

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